segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Matinal

O rosto avança pelo vento gelado da manhã
São cinco horas e as pernas se adiantam
É escuro na São Paulo gelada pela garoa recente
O asfalto negro enriquece seu pretume na água

São momentos sem carros, de livre pensamento
Quebra-se o silêncio na dobra da avenida
Avançam os sinais e as praças
Contam-se a respiração e os passos

Mais verdes estão as árvores das alamedas
Mais coloridas são as nuvens da metrópole pela manhã
Já clareando o dia com o sol que se esconde no concreto
Que esquenta a água noturna e evapora a visão

Camuflam-se os comerciantes atrás das portas entreabertas
Deixando para trás os passos rápidos na avenida
Largos e solitários, rumam para o bairro novamente
Que já sussurra com a energia dos chuveiros, dos fogões e dos bons dias

É o calor nas pernas que avisa do cansaço
A hora de desligar o corpo e limpar a mente
Sedenta marcha da garganta que retorna
Mais um dia vencido pela vigorosa corrida.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Poema Fácil

É coisa fácil de se fazer
Amor simples
Gostoso de ter
Prazer em se dar

Querer saber como estão as coisas
Pedir para ligar quando dá tempo
Lembrar de se lembrar a toda hora
Doer quando o longe está perto
E ir quando estiver quase chegando

Amar é saber como agir
Reagir
É o pouco que faz diferença
Faz sentido

Saber decidir às vezes
Esquecer de cobrar quase sempre
Destilar sentimentos a toda hora
Aprender a dividir agora
Sem separar amanhã

Amar é ser tudo para poucos
E não esquecer de ser algo
Valer mais que os outros
Ser tanto para alguém

Amar é isso tudo enfim
Custa quase nada
Desejar sempre muito
E viver a pessoa amada

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Renascimento

Vejo as luzes vacilantes destas velas
Que por séculos acenderam grandes mentes
Forjando à noite partituras geniais
Crivando em páginas palavra incandescente

Prometeu, que trouxe a dádiva do Olimpo
Da pedra ao reino, que das trevas veio à luz
Caronte avesso trouxe vida ao velho limbo
Cavaleiro traz no peito a nova cruz

Fulgor dos mares já cantado em tristes versos
Manchas de óleo na maré dos bons pincéis
E o cinzel que dobra a pedra com sucesso
No conto vivo dos antigos menestréis

Das quatro pernas mãos reais criaram a lança
Que dos joelhos apontaram o alvo véu
E quando os Deuses entenderam aquela dança
Dedos sublimes encontravam-se no céu.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

domingo, fevereiro 10, 2008

A peleja do Barão Vermelho com o Esquadrão da Morte

Era sempre dura a batalha travada entre o Barão Vermelho e o Esquadrão da Morte.
Voava o primeiro em busca de novas missões, pelo céu ornamentado com as explosões das baterias antiaéreas.
Mergulhava livremente o avião em curvas alongadas e subia novamente, rodando em busca de um vôo preciso e arriscado.
Pontualmente às quatorze horas o caçador dos ares avistava os aviões do Esquadrão da Morte. Hora surgiam despencando em chandelle das nuvens, hora surgiam como monstros marinhos vindos das profundezas do oceano.
O Ás Vermelho riscava os céus rapidamente e se punha elegantemente atrás de seus algozes, derramando os sons de suas metralhadoras e canhões sobre suas orelhas.

Os inimigos estavam sempre em maioria, não importava quantos eram abatidos nas batalhas diárias.

Reza a lenda que o Barão percorreu toda a sua vida num vôo turbulento, fugindo das baterias terrestres e do Esquadrão da Morte. Rodopiava os céus subindo, mergulhava entre as nuvens buscando uma saída. Assim era sua rotina, derrubando um inimigo a cada minuto. As chuvas rasas de balas nunca atingiram mortalmente o ventre de seu avião. Nunca houve sequer um pouso forçado para o Barão Vermelho.

Açoitado sempre, buscava uma nova saída para seu destino dia após dia.

Quando a munição acabava ele seguia voando baixo com as ondas da costa roçando suas asas, afastadas pelo ronco grave do motor que o levava sempre adiante.
Mesmo quando baixava o trem de pouso não dava o braço a torcer. Era só para recarregar munição e combustível, recordar um sono leve e revisar as estratégias de ataque. Logo decolava como se as sirenes soassem o tempo todo.

No ar sentia seu peso real, o peso de um guerreiro, que é caçador e caça ao mesmo tempo.

Nunca chorava, nunca dormia e nunca duvidava da cumplicidade de seu avião.
Não havia quem mandasse nele, e só mesmo ele tinha certeza de cada uma de suas manobras.
Pelo Barão ninguém velava em terra e os Deuses o protegiam para assistir àqueles vôos perfeitos mais uma vez.

Solitário, enfrentava todas as vidas enquanto vivia apenas mais um dia de vôo.

Ninguém o compreendia e nem mesmo queria fazê-lo. Se chorava ou sorria não era problema, o certo é que protegia seu mundo sob convicções próprias.
Mantinha sempre sua rota incerta e trazia de volta mais uma dezena de estrelas de inimigos abatidos para pintar na lateral de sua armadura mais pesada que o ar.

E, mais uma vez, eram quatorze horas em ponto.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Desabafo

Tem gente que não desce do salto.
Nem para dançar com as crianças.
Que não perde a pose.
Para não perder a posse.

Tem gente que não chora.
Nem borra a maquiagem.
Que não arrisca na vida.
Para não perder a aposta.

Tem gente que não aproveita o dia.
Nem experimenta o sanduíche da esquina.
Que não saboreia a bebida.
Para não se embriagar.

Tem gente que não calcula a rotina.
Nem se pergunta se vale a pena.
Que busca riqueza num banco.
Para não ter que enriquecer o lar.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Mesa de frente para o mar

O que descobri sobre a saudade é o que basta.
É um sorriso.
Um espírito de luz já conhecido, que de tão longe retorna.
Alguém que da conversa já sabe toda a prosa.
Vivenciou os dias e deixou muita saudade nos espaços.
Faz falta.

E que mais uma vez traz a alegria para essa cidade.
Compartilha da cumplicidade, ainda longe do passado.
Sentimento ressabiado pela distância presente.
Carinho que traz lembrança afastada.
Do seu jeito marca.

Verdades que não se perdem entre dois que tanto se conhecem.
Sonhos já sabidos, reconhecidos.
Que decoram o caminho da amizade.
Concluem numa só sentença a conversa diante do mar.
“A verdade é que é bom ter alguém que pensa na gente quando nós mesmos esquecemos de pensar”.
E que aos poucos lapida as saudades com o cinzel das verdades.
Que o tempo nunca cogitou apagar.